sexta-feira, 3 de março de 2006

ESTÓRIAS DA NOSSA HISTÓRIA - VI

A salvaguarda do recheio do Mosteiro de Arouca
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Como é sabido, as ordens religiosas foram extintas pelo Decreto de 28 de Maio de 1834. Contudo, ficou salvaguardada a possibilidade dos mosteiros femininos se manterem até ao falecimento da última freira professa. Assim sucedeu com o Mosteiro de Arouca. Pelo que a extinção, excepcionalmente, só se haveria de dar a 3 de Julho de 1886, data em que se deu o falecimento da Abadessa Donatária do mosteiro de Arouca, Dª. Maria José Gouveia Tovar de Meneses.
Chegado aquele derradeiro dia, o património do mosteiro de Arouca, assim como o de todos os outros, passaria a integrar os “bens nacionais”, excluindo destes os vasos sagrados e paramentos que serviam ao Culto Divino, que deveriam ser postos à disposição dos Ordinários respectivos para serem distribuídos pelas igrejas mais necessitadas da Diocese.
Contudo, a este intento do Estado e conscientes do valor do espólio do mosteiro, constituído por bens mobiliários, artísticos e de culto, haveria de se opor o povo de Arouca.
Foi então que, em 1887, volvido apenas um ano sobre o falecimento da última freira, quando as autoridades civis tentaram retirar do convento os objectos de culto, a população se ajuntou e “não deixou sair do seu extinto convento os riquíssimos paramentos que o governo ali mandava buscar”, para enviar para as igrejas da Índia portuguesa.
O levantamento popular não foi tão espontâneo como à primeira vista se possa imaginar. É um facto que desde o camponês mais humilde aos clérigos e letrados, todos se reuniram em defesa do património do seu mosteiro. Contudo, de forma inteligente e astuciosa, já há muito se havia tratado de acautelar este património e, contrariamente ao que sucedeu por quase todo o país, Arouca conseguisse preservar no seu mosteiro os bens que a ele pertenciam.
Quase sem se dar conta do verdadeiro intento que o gesto visava, Sua Alteza o Príncipe Real, D. Luís I, “o Popular” ou “o Bom”, declarou-se Juiz perpétuo da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda de Arouca, em 1886, correspondendo ao pedido dos irmãos fundadores. Com a mesma subtileza foi pedido às instâncias competentes o diploma que permitisse o uso do termo “REAL”.
Vejam-se as nada ingénuas consequências daqueles nada inocentes gestos: Invocam os mesmos, de forma implícita, a protecção régia para a recém criada instituição. O que indirectamente enfraqueceria a tiraria legitimidade a quem quer que fosse para levar qualquer coisa do Mosteiro de Arouca.
Segundo Afonso da Costa Veiga, encontra-se nos reservados da Biblioteca Pública Municipal do Porto um documento, datado de Maio de 1892, referindo que: “foi aceite por el-rei o cargo de Juiz perpétuo da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda, erecta na egreja do extincto Mosteiro de Arouca”.
Ironia das ironias, seria o próprio rei D. Luís que, três anos após o convite que lhe fora endereçado, promulgaria, especificamente para o mosteiro de Arouca, a Lei de 26 de Junho de 1889, que vinha ao encontro das pretensões dos arouquenses.
Mais que à força dos homens ou temor às alfaias com que alegadamente se muniram, à proficiente salvaguarda que atempadamente se preparou se deve o facto de nada ter sido retirado do Mosteiro de Arouca.

Bibliografia
VEIGA, Afonso da Costa, "Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda", RIRSMA, Arouca 2005
VEIGA, Afonso da Costa, Site da Real Irmandade Rainha Santa Mafalda, em www.museu-de-arouca.pt.vu

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