segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

E eis que o meu torrão natal, em 1580, era foreiro do mosteiro de Paço de Sousa!...

Fica este pequeno registo, como que a justificar uma fugaz rapidinha natalícia às coisas da história; já convertida, no essencial, em "Rossas. A Terra e o Povo", e também a forma como vou dando cabo da vista... Que para além desta, fique alguma coisa que se veja! ;)

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Faleceu Fernando Abrunhosa de Brito (1934-2016), o homem que mais sabia sobre os nossos avós...

Fernando Abrunhosa de Brito, aquando da apresentação do 2.º Volume das suas "Doze Portas de Gerações de Arouca", na Biblioteca Municipal de Arouca
Da sua obra publicada em livro deixou-nos os dois magníficos volumes de "As Doze Portas de Gerações de Arouca (1500-1800)", editados pela Universidade Lusófona do Porto. No entanto, Abrunhosa de Brito, pelo menos nos últimos 40 anos e, principalmente, nos últimos 10, foi um incansável pesquisador da genealogia das principais Casas e Famílias de Arouca, sendo muito mais vasta a obra que deixou por publicar.
Tive a felicidade de me cruzar com ele no Arquivo Distrital de Aveiro, ali por 2008, quando ambos aí nos dirigíamos, dia-após-dia, - tantos quantos a disponibilidade de cada um, para o ócio, o possibilitava -, para calcorrear os livros velhos, alguns quase carunchosos, dos registos paroquiais de Arouca. Eu mais interessado em pesquisar os livros de Rossas, Várzea, Urrô e Burgo; o Fernando mais interessado em aprofundar as suas Doze Portas. (Nesta altura e até finais de 2013 não havia ainda Digitarq. Ou seja, não havia ainda registos paroquiais online, pelo que as pesquisas tinham que ser feitas in loco). Foi aí, por entre pesquisas, notas e apontamentos genealógicos e, também, nos agradáveis almoços no Abílio dos Frangos que construímos a nossa amizade. Tratava-me por Antoninho e eu tratava-o por Fernando.
Era o homem que mais sabia sobre os avós dos arouquenses (em sentido lato), alguns entroncados sem falha de gerações até ao século XIV, como por exemplo os Brandões, a que fui dando os meus modestos contributos, nomeadamente, por via de pesquisas feitas na Torre do Tombo.

sábado, 10 de setembro de 2016

Faculdade de Letras vai organizar o arquivo pessoal de D. Domingos de Pinho Brandão

No passado dia 6 de Setembro, na Biblioteca do Seminário Maior do Porto, foi assinado pela Directora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e pelo Reitor do Seminário Maior, um protocolo de colaboração entre as duas instituições com vista à organização do arquivo pessoal de D. Domingos de Pinho Brandão (1920-1988).
Através deste protocolo, a FLUP assume a coordenação da organização do arquivo pessoal do antigo Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, natural da freguesia de Rossas, concelho de Arouca, orientando os bolseiros que irão tratar o fundo de modo a permitir o acesso público a este importante legado, largamente composto por correspondência trocada. A disponibilização do acervo documental (e iconográfico) é fundamental para o conhecimento do tempo em que D. Domingos viveu e, sobretudo, da história da Diocese do Porto nesse período. A FLUP vai colaborar ainda na organização da nova sala do Museu de Arte Sacra e Arqueologia dedicada a Domingos de Pinho Brandão. in DN

O Reitor do Seminário Maior, o Presidente do Centro de Estudos D. Domingos de Pinho Brandão, Sua Excelência Reverendíssima o Bispo Auxiliar do Porto e a Directora da Faculdade de Letras

Um dos primeiros atos do Pe. José Alfredo da Costa como Reitor

Este protocolo assinado entre a Faculdade de Letras e o Seminário Maior foi um dos primeiros atos do Reverendo Pe. José Alfredo Ferreira da Costa como Reitor do Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição do Porto. Com efeito, a nomeação do anterior Reitor, D. António Augusto de Azevedo, a Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, ditou a promoção do até aqui Perfeito do Seminário Maior, Pe. José Alfredo Ferreira da Costa, a Reitor.
Recorde-se que o Reverendo Pe. José Alfredo, foi pároco de Rossas, Arouca, donde era natural D. Domingos de Pinho Brandão que, entre muitos outros cargos, foi carismático Reitor desse mesmo Seminário.
Ainda recentemente, em Agosto de 2015, enquanto Perfeito do Seminário Maior do Porto e amigo do autor, esteve presente em Rossas, na apresentação do livro "Senhora do Campo. Fé, Devoção, História e Tradição", de António Brandão de Pinho. No dia seguinte participou também nas Cerimónias de Homenagem a D. Domingos de Pinho Brandão e inauguração, no Mosteiro de Arouca, da Biblioteca Memorial, composta por mais de 30 mil livros que pertenceram a este último Bispo que Arouca deu à Igreja.

Reverendo Pe. José Alfredo Ferreira da Costa, no uso da palavra na apresentação do livro "Senhora do Campo. Fé, Devoção, História e Tradição"

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

O bucólico e pitoresco lugar da Cavada, de Rossas

O bucólico e pitoresco lugar da Cavada, de Rossas, antiga comenda da Ordem do Hospital de S. João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, cuja igreja matriz e antiga Casa dos Comendadores se situa ali um pouco mais abaixo, é ainda um verdadeiro refúgio para quem nele pretenda descansar da azáfama dos meios urbanos. Outrora foi mesmo este lugar um refúgio para quem andasse foragido às justiças do Reino ou pretendesse beneficiar dos privilégios da antiga Ordem Religiosa e Militar que ali se estabeleceu desde os primórdios da Nacionalidade, por concessão dos nossos primeiros Reis.
Ali, no lugar da Cavada, erigiu aquela Ordem a sua primeira Casa, com seus lagares e palheiros, onde se recolhiam os proventos das terras «cavadas» e tributos dos caseiros privilegiados.
Por ser um lugar tão sossegado, um dos Comendadores resolveu mesmo mudar a Casa da Comenda para junto da igreja e deixar a Casa do lugar aos seus descendentes, onde estes continuaram sua descendência, de que muitos ocuparam posições e cargos de destaque nas Ordenanças e Milícias locais, somando estórias quase lendárias, que ali tiveram seu palco e cenário.
Rodeado da floresta verdejante que de fronte sobe às cumeadas da serra da Freita, e se pode percorrer pelo caminho pedestre do vale do Urtigosa, por onde se podem avistar coelhos, lebres, e até javalis, é quase idílica a ambiência que ali se sente, ao som da melodiosa azáfama da passarada autóctone, que saltita de ramo em ramo, por entre macieiras, figueiras, nogueiras, milheirais e parreiras, que emolduram os campos e socalcos que contornam o rio do Urtigosa, onde outrora apenas o Comendador podia pescar as suas trutas.
Percorrer as vielas e caminhos do lugar e deste até à igreja, é presenciar e sentir ainda muitas das atividades em torno dos campos, da agricultura e atividades complementares. O toque do sino da igreja ainda dita o tempo de trabalho nos campos, período em que é fácil encontrar pessoas locais na sua labuta diária e experimentar o partir da bandeira nos milheiras, a colheita das espigas e as desfolhadas; a tira e apanha das batatas, a colheita das hortícolas e a apanha e pisa das uvas, sentir e deliciar-se com o vinho novo à bica dos lagares, bem como o estrumar dos campos e lavrar da terra para as sementeiras.
Enfim, um lugar rústico e encantado e, consta-se, outrora de belas raparigas. Tão belas que o último Capitão das Ordenanças locais, então residente na Casa da Comenda, sentindo abeirar-se a sua última hora, desejou e pediu para que fosse sepultado no adro da igreja, à soleira da porta lateral, para que pudesse ficar a ver as pernas às raparigas do lugar da Cavada. Vontade que se cumpriu.
Assim é! Mas, por mais que se conte e descreva, nada como experimentar e sentir.

domingo, 7 de agosto de 2016

O Rego do Correlos e os Viscondes de Alpendurada

«Olha o meu amigo!... Doutor! Está bom!? Veio de fim-de-semana ou de férias?» – Tudo bem, obrigado. Também por cá? Tire lá o doutor… Vim apenas de fim-de-semana e aproveitar para passear este meliante [o Pastor]. – «Ah muito bem!... Também é preciso! Olhe, nem de propósito e mais oportuno, pode elucidar-me sobre uma questão?» - Claro que sim, diga lá?
Foi desta forma que me chegou mais um caso de águas. É desta forma que os casos nos chegam na aldeia! Num misto de formalidade e informalidade.
O cliente, um novo velho amigo, já nascido na cidade mas com ascendência gerada e criada na aldeia, - na nossa aldeia -, vem recuperando, aos poucos, as propriedades que lhe ficaram por herança de seus pais. Recuperar um direito a águas do Correlos, era então também um objectivo. Não necessariamente para regar batatais e/ou milheirais, porque já não os há nas propriedades da familia, mas para que esse direito, que mais do que das pessoas é das propriedades, se recupere e as águas possam correr pelos campos, avivando regos e levadas, enchendo as presas e, enfim, possa brotar de forma permanente no tanque de ao pé da porta. A água é o sangue da terra e onde ela corre há sempre vida. Mais do que legítimo, portanto. Tanto mais quando, segundo começou por invocar este meu amigo, é imemorial o direito à água do Correlos.
Antes de mais, o Rego do Correlos é o regadio mais extenso da freguesia de Rossas, derivado do rio Urtigosa, já nas imediações do lugar de Lourosa de Matos da vizinha freguesia de Urrô, percorrendo uma extensão de aproximadamente 3Km pela encosta Norte da freguesia até ao lugar das Senras, de Nascente para Poente, da freguesia e do rio Urtigosa, que nasce lá um pouco mais acima da derivação da levada, nas imediações do lugar da Portelada, e desagua ali um pouco mais abaixo do último talhadoiro do rego, no lugar da Foz, onde o Urtigosa se doa ao Arda. No anos oitenta do século passado contava mais de setenta consortes e na década seguinte ultrapassava já os oitenta e cinco. Todos beneficiários de uma levada que, depois de encanada, leva em média meia cana de 50 cm de diâmetro.
O objectivo era então, numa primeira fase, o de averiguar da existência do direito a água do Correlos, se ainda existiria ou se se haveria perdido de alguma forma, pois nos papéis da Casa não apareceu qualquer documento de venda, doação ou renúncia a tal direito. Numa segunda fase, se possível, tratar da recuperação do direito, de preferência, nos termos e condições doutrora.
Um caso a meu gosto, como está de bom de ver. Com Direito e História. Se há ramo do direito que requer socorrer-se da história, é o dos Direitos Reais, também outrora dito das Coisas. Uma das minhas cadeiras preferidas na Faculdade e uma das áreas da minha preferência no exercício da actividade.
Adiante-se desde já que se conseguiu confirmar a existência do direito e a recuperação do mesmo, nos termos e condições doutrora, inerentes à propriedade dos prédios, vulgarmente referidos como, por exemplo, «o campo de ao pé da porta…, com água de rega do Correles…». É o que importa dizer quanto à causa e até quanto ao Direito.
Aqui, aquilo a que quero reportar-me - sem esgotar o assunto, mais desenvolvido em "Rossas - a Terra e o Povo" - diz respeito ao imemorial, às tradições, à organização comunitária, à palavra, bem como às estórias que se podem contar e à história que se pode fazer.
E, com efeito, são deliciosas as estórias em torno do rego do Correlos, bem como interessante a história que se pode fazer a propósito do mesmo. O que tudo muito contribuiu para sustentar e fundamentar o direito que nos pôs no terreno, monte acima e beira do rego adiante.
Para tratar de um assunto desta natureza, de um direito aparentemente perdido pela falta de exercício, é necessário, desde logo, aferir quem se serve do referido regadio nas imediações dos prédios outrora beneficiários, tentando perceber se existe ainda memória desses direitos terem correlação com estes outros. O que se percebe pela organização do giro, em que, normalmente, o consorte com prédios beneficiários mais a jusante vai cortar a água ao consorte imediatamente a montante, quando não partilham mesmo o rego, por talhadoiro dividido em partes iguais. Só depois de investigados estes factos e juntada alguma prova, testemunhal se possível, se deve confrontar os responsáveis da Junta de Regantes com uma factualidade fundamentada, comprovada ou a comprovar. Tanto mais que a esta caberá a decisão e eventual reorganização do giro.
O imemorial serve para sustentar e defender direitos existentes e não para recuperar direitos eventualmente perdidos pelo não exercício. De resto, dizem-nos os antiquíssimos brocardos que o Direito não socorre os que dormem, Dormientibus non sucurrit ius; e o fruto sem uso não se pode haver, Fructus sine usu esse non potest.
E com duas latinadas destas, arrumava a questão em desfavor do cliente. Mas o que se pretendia, como é óbvio, era exactamente o contrário: afastar a aplicabilidade liminar de tais expressões sentenciadoras. O que se conseguiu. Tanto mais que, tal como diz outro brocardo não menos antigo: qui iure suo utitur, neminem laedit, quem usa o seu direito, não prejudica ninguém.
Foi fácil descobrir onde parava o direito. Vários e diferentes direitos, até. De vários prédios. Caseiros antigos, entretanto feitos proprietários de pequenas parcelas doutrora grandes propriedades, foram ficando com as quantidades e horas d’água de seus Senhores doutrora.
Nas investigações entretanto realizadas, apareceram uns documentos, datados de 1858, de uma acção encabeçada pelos Viscondes de Alpendurada contra um casal de Santa Maria do Monte, para defesa do direito imemorial de se aproveitarem da água chamada do rego do Correlos. O que se nos afigurou como muito curioso e interessante. Os Viscondes de Alpendurada a reivindicar o direito à água do rego do Correlos!? Estes preciosos documentos permitiram restaurar os direitos na sua plenitude.
Satisfeita a questão de Direito, não resistimos à tentação de aprofundar a questão sob o ponto de vista histórico.
Não conseguimos, no entanto, saber quando terá sido rasgado o rego do Correlos. É imemorial. O que quer dizer de um tempo tão antigo que o seu início se perdeu da memória dos vivos. Sumiram-se também os documentos da sua criação, constituição e história.
Já os Viscondes de Alpendurada entraram em posse de propriedades em Rossas, pela compra que delas fizeram a Bernardino Portugal da Graça que as havia adquirido a Maria Antónia Leite Pereira Melo Virgolino, herdeira universal de seu filho único, António Virgolino Saraiva Mendes de Vasconcelos Cirne, também este herdeiro universal de seu avô Teotónio Mendes de Vasconcelos e Cirne. Sim, exactamente, os do Morgadio de Terçoso, Senhores do escravo que abriu o Rego do Preto, do ribeiro da Escaiba à Quinta de Terçoso. Quiçá, muito provavelmente, rasgado na mesma altura do rego do Correlos.
Os Viscondes de Alpendurada não só entraram então na posse dos bens que outrora constituíram o Morgado de Terçoso, como, através do seu procurador José Francisco de Oliveira, entretanto residente na Casa do Corregato, exerceram essa posse e defenderam os direitos inerentes aos mesmos, como foi o caso da acção intentada contra o casal de Santa Maria do Monte, para defesa do direito imemorial de se aproveitarem da água chamada do rego do Correlos, regadio que atravessa a encosta soalheira e oposta à Casa e Quinta de Terçoso, servindo, entre outras propriedades, a Casa e Quinta do Corregato.
Pouco tempo depois da passagem das propriedades ao Visconde de Alpendurada, e aquando da arrematação dos bens que tinham pertencido ao Mosteiro de Arouca, foram oferecidos os bens do Morgado de Terçoso a José Gaspar da Graça, herdeiro do Conde de Ferreira, comerciante no Porto, que adquiriu aqueles e estes, transformando-se num dos maiores proprietários de Arouca. Bens que por fim, foram administrados e sucessivamente vendidos por Henrique da Graça de Oliveira Monteiro de Barros Gomes.
Quanto ao mais, a água de regadio é um bem preciosíssimo, mormente de Março a Setembro, meses em que se deve cumprir o giro. A terra é de rios, mas o relevo é acidentado, sendo muitos os campos que se estendem até meia encosta. Um bem tão precioso, que já serviu mesmo de promessa de liberdade a escravos e já motivou muitos conflitos e litígios, cabeças abertas à enxadada, trocas de tiros, esperas, ajustes e mortes até.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Gratidão ao Pe. João Pedro Bizarro


Sendo já do conhecimento público que o Reverendo Pe. João Pedro Bizarro deixará Arouca no próximo mês de Setembro, não quero deixar passar esta oportunidade sem manifestar publicamente, e enquanto seu paroquiano, a minha gratidão pelo trabalho que desenvolveu nesta Vigararia na última década.
Antes de mais, lembrar que foi para paroquiar Rossas, Canelas e Espiunca, substituindo o Reverendo Pe. Alfredo Ferreira da Costa, também agora promovido de Perfeito a Reitor do Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição do Porto, que o Pe. João Pedro Bizarro veio para Arouca.
Superar ou pelo menos igualar o trabalho desenvolvido pelo Reverendo Pe. José da Rocha Ramos e a inteligência e afectuosidade do Pe. Alfredo Ferreira da Costa era, pois, a missão exigida pelas comunidades que então o receberam de braços abertos.
Era, pois, uma missão suficientemente exigente para o então novíssimo padre, que assim iniciava o seu múnus pastoral, alicerçado no serviço ao próximo, já experimentado como escuteiro e enfermeiro.
Assim aconteceu em 21 de Setembro de 2003, volvidos pouco mais de dois meses após a sua ordenação como padre. Em pouco mais de cinco anos, João Pedro, passou de enfermeiro a padre e da cidade à aldeia.
Nascido em Angola e de seu nome completo João Pedro de Serra Mendes Bizarro, veio para Portugal com seus pais, ainda não tinha completado dois anos de vida, fixando residência em Vila Nova de Gaia, onde cresceu e estudou. Tirou o Bacharelato em Enfermagem, que concluiu em 1995, e exerceu funções como enfermeiro no Hospital de Santo António, no Porto.
Ainda em 1997, e sem deixar de exercer aquelas funções, sentiu maior apelo vocacional para a vida religiosa, pelo que decidiu experimentar o Pré-Seminário Diocesano. Começou a frequentar a Licenciatura em Teologia e, em 1999, entrou para o Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição, no Porto, levando a que suspendesse as funções de enfermeiro e se dedicasse exclusivamente a esta sua maior vocação. Foi ordenando padre em 6 de Julho de 2003.
A contar 43 anos de vida e 13 de padre, sente ainda fervilhar-lhe o interesse pelo estudo teológico e aprofundamento do conhecimento da Igreja, nomeadamente, pelo Direito Canónico. De resto, tem tomado contacto com esta área enquanto Juiz do Tribunal Eclesiástico.
Sem nunca fazer grandes pergaminhos disso, enquanto esteve por Arouca, onde também cresceu e amadureceu enquanto homem e enquanto padre, fez-se também Pós-Graduado em Teologia Pastoral e Mestre em Teologia Sistemática, deixando perceber, pelo menos a quem com ele privava, a sua vontade em dar continuidade aos estudos.
Vai agora prosseguir os estudos de Direito Canónico, na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.
Para trás, e em Arouca, deixa a sua marca enquanto pároco. Não se preocupou em superar ou sequer igualar quem quer que seja, e muito menos os párocos que o antecederam nas paróquias de Arouca. Fez por cumprir o seu múnus sacerdotal de acordo com a sua forma de ser e estar, dando relevância às vertentes de sua maior sensibilidade.
“Não leu os livros” de nenhum dos seus antecessores e preocupou-se em fazer o seu próprio caminho, em serviço do Povo de Deus, mas, também assim, como forma de aperfeiçoamento e enriquecimento pessoal enquanto jovem pároco. Anunciou a alegria do Evangelho de forma incansável e inovadora - quase informal até, nos diálogos que mantinha com os mais novos -, na celebração festiva da fé e no exercício criativo da caridade, também por meio das obras do escutismo e do voluntariado da Ordem de Malta, de que foi feito Capelão em 2012.
Deixa marcas em Rossas, Canelas, Espiunca, Santa Eulália, Arouca e Burgo, que paroquiou, bem como nas organizações ligadas à Igreja e não só, a que se dedicou nestes últimos anos. Enquanto Assistente do Núcleo Sul do Corpo Nacional de Escuteiros, lançou em Rossas a semente do escutismo em Arouca, hoje enraizado e com grande vitalidade, oferecendo aos jovens deste concelho uma alternativa de desenvolvimento da personalidade e serviço ao próximo.
Será agora rendido no seu posto de sentinela guardiã do Povo de Deus de Arouca pelo jovem Reverendo Pe. Luís Mário Araújo Ribeiro, que virá com a função de paroquiar S. Bartolomeu de Arouca, S. Salvador do Burgo, S. Miguel de Canelas e S. Martinho da Espiunca, bem como de administrar paroquialmente Nossa Senhora da Conceição de Rossas, S. Mamede de Cabreiros e Nossa Senhora da Assunção de Albergaria da Serra.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Escravidão em Rossas

Correu grande indignação na freguesia de Rossas derivada da noticia do arrepiante aparecimento de um corpo ensopado e quase desfeito no fundo de um tonel donde se andava a beber o vinho.
Ao que tudo indica tratava-se do corpo de Virgolino, um escravo do Morgado de Terçoso, que desaparecera por altura do fim das vindimas de há quatro anos.
A tratar-se do corpo de Virgolino, faz sentido o facto deste, pouco antes de desaparecer, repetir, cada vez com mais insistência, tristeza e angústia, que: “aqueles que lhe comeram a carne, também lhe haveriam de chupar os ossos!”
Ao que consta, Virgolino vinha ameaçando colocar termo à vida desde a altura em que o seu senhor lhe negou a liberdade que lhe prometera se ele, seu escravo, conseguisse fazer chegar água corrente do rio à sua Casa de Terçoso, sita na encosta poente do vale de Rossas.
Por esta altura, a Casa de Terçoso era uma das maiores e mais abastadas casas do concelho de Arouca e, por isso, extensas as suas propriedades, que abrangiam toda aquela encosta entre as barrocas das Carvalheiras e Carvoeiro, e da dita Casa até ao rio Urtigosa. No entanto, apesar do Solar paisagísticamente belo e soalheiro, as terras do Morgadio estendiam-se em declive socalcado desde aquele até ao sopé da encosta, serpenteado pelo rio Urtigosa.
Dadas as características das ditas terras, forçados se tornavam os trabalhos de amanho das mesmas. Por outro lado, o escasseio de água provocava os maiores suores nos meses de Verão. O sol apenas dava sossego àquelas propriedades e aos que nelas trabalhavam, passada a hora da merenda.
Em razão disto, e talvez até mais fiado na relativa e aparente impossibilidade, o Morgado prometeu a liberdade a Virgolino, se este conseguisse fazer aí chegar água corrente do rio.
Sem perder muito tempo, Virgolino pôs a precária ferramenta de que dispunha às costas e fez-se a caminho de tal empreendimento.
Volvidas algumas semanas, qual não é o espanto da família e criados do Morgado ao ver surgir o escravo a rasgar um rego à volta das Carvalheiras, trazendo água corrente… Virgolino abriu um rego desde o ribeiro da Escaiba, ao fundo dos lameiros da Póvoa Reguenga, passando por cima do Torneiro, da Lomba e das Carvalheiras, até às terras do Morgadio. Pelo cimo de abruptas ravinas, donde a mais pequena pedra que se soltasse só parava no ribeiro, rompendo fragas e abatendo duros obstáculos, Virgolino conseguiu fazer chegar água corrente desde o ribeiro da Escaiba até Terçoso. A sua satisfação era tanta que, de imediato percorreu toda a extensão do rego, consertando a mais pequena ruptura e reforçando os bordos mais frágeis. Daí por diante nunca mais faltou água com fartura na Quinta de Terçoso!
Contudo, chegada a hora de pedir a prometida liberdade ou, pelo menos, um reconhecimento que lhe permitisse aliviar as costas de tamanhos ofícios; em vez de se lhe abrir a porta ou permitir endireitar o corpo, o escravo recebeu do seu senhor a maior das ingratidões: esperavam-no os trabalhos do costume, permanecendo como escravo, sem quaisquer direitos ou regalias.
Cansado, triste, desiludido, amargurado e desesperado, Virgolino apenas repetia, cada vez com mais frequência, que “os que lhe comeram a carne, também lhe haveriam de chupar os ossos!” No entanto, poucos ouvidos se deram aos delírios do pobre escravo.
No Outono seguinte, pelo fim das vindimas, Virgolino desapareceu!
 
Para que se recordasse e contasse esta estória se mandou fazer a carranca colocada no termo do rego, onde a água brota para fora dos muros da Casa de Terçoso.


Mas houve, algum dia, escravos em Rossas? Sim, houve. Não só em Rossas, como em Arouca e em todo o Reino português.

Os mais antigos registos paroquiais de Rossas, que remontam a 1682, possibilitam-nos constatar a ainda existência de escravos em Rossas, nomeadamente, nas propriedades dos irmãos António e Domingos Fernandes Ferreira.
Contrariamente à ideia que nos suscita a lenda ou estória de “Virgolino, o escravo da Casa de Terçoso”, de uma possível existência de escravos no Morgadio de Terçoso, nada se registou nos paroquiais de Rossas, conhecendo-se apenas, para além daquela estória, o caso de Antónia (b.20.VI1693), filha de Teresa, solteira, «escrava» de Francisca Teresa da Silva, de Terçoso, que lemos nos paroquiais da vizinha freguesia de Várzea.
Quanto aos demais, merecem a nossa maior atenção os casos isolados, mas significativos, existentes nos lugares da Cavada e da Vinha do Nega, reportados aos irmãos Fernandes Ferreira e seus descendentes.
Também Manuel Pinho de Carvalho, da Casa de Campo de Fora, tinha uma escrava de seu nome Maria, que teve Miguel (b.5.VI.1691).
António Fernandes Ferreira, da Cavada, tinha uma «escrava» de seu nome Luzia, que teve Francisco (b.27.VII.1692), de João, solteiro, sobrinho de Manuel Aranha, da Cavada; e Ana (b.10.IX.1697), de um «negro, escravo» de Domingos Fernandes Ferreira.
Mariana (f.15.II.1735), solteira, «mulher parda, escrava» de António Fernandes Ferreira, teve Dionísio (b.28.XII.1711).
António Pinheiro de Carvalho, da Casa de Campo de Fora, foi dado como pai de Manuel (b.28.I.1727), filho de Antónia, solteira, filha de «mulher preta», solteira, do lugar de Camguste.
Em 31 de Julho 1733, falece Antónia, dita «escrava» que o L.do Alexandre Ferreira Brandão, da Cavada, tinha no Corregato.
Domingos Fernandes Ferreira, da Vinha do Nega, lugar do Corregato, tinha uma «criada negra», «que hoje já não é escrava», de seu nome Maria, que teve Manuel (b.01.IX.1695). Também Maria foi o nome de outra escrava de Domingos Fernandes Ferreira, baptizada em 20.I.1702. Uma outra «escrava preta», de seu nome Maria, que vimos falecer um pouco mais abaixo do Corregato, na Vinha do Nega, em 30.XI.1708. Ainda outra sua «criada preta», solteira, que teve Tereza (b.16.IV.1723), de Teotónio, solteiro, filho de Teotónio de Vasconcelos Portugal Mendes e Cirne, Morgado de Terçoso.
Em Dezembro de 1770 deu-se o falecimento de Antónia, «escrava» do Capitão-mor Manuel Aranha Brandão.

A abolição da escravatura
por François-Auguste Biard (1798-1882)
Há precisamente 255 anos, em 12 de Fevereiro de 1761, Portugal tomou a dianteira na abolição da escravatura, pelas mãos do Marquês de Pombal, primeiro-ministro de D. José I.