segunda-feira, 29 de junho de 2009

O que viram as Duas Inglesas em Arouca?

«O convento de freiras cistercienses em Arouca deve a sua riqueza e prestigio principalmente à Rainha Santa Mafalda, filha de D. Sancho I e esposa separada de Henrique I de Castela, que se retirou para o convento alguns anos antes da sua morte, em 1256, e, considerando que a disciplina ali reinante era permissiva, se dedicou a aplicar regras mais rigorosas, tanto nas vestes como na conduta. Como mantinha alguma ligação com uma outra casa da mesma Ordem no Porto, depois da sua morte cada uma das casas reclamou o corpo da rainha. Uma lenda deliciosa afirma que o corpo foi colocado sobre a mula preferida da rainha, que, sem hesitar, começou a andar, a um ritmo reverencial, até Arouca. Aqui, e em conformidade com o determinado, ficou o seu corpo embalsamado; pode ver-se o corpo mumificado, ricamente vestido, num caixão de vidro e prata no qual foi colocado em 1734.
O tesouro é surpreendentemente rico. Em particular, existe um relicário em prata dourada muito antigo que, segundo a tradição, terá pertencido à própria Santa Mafalda e alguns quadros curiosos. A veneração local pela santa preservou o tesouro. Aquando da dissolução das ordens religiosas, em 1834, as pessoas do campo entraram e levaram consigo os objectos de valor, que mantiveram escondidos das autoridades; quando a força da perseguição se desvaneceu, devolveram os objectos e, em alguns casos, eram já os filhos das pessoas que originalmente os tinham preservado.
Com excepção da igreja, todo o conjunto de edifícios do convento, que data de finais do século XVII e dos inícios do século XVIII, está deserto e apresenta um aspecto abandonado. Contudo, como muitas vezes acontece nestes conventos, alguém, é impossível saber quem e porquê, cozinha as suas refeições na cozinha espaçosa, guarda as cabras e os burros na cave e armazena os produtos das colheitas nos vários edifícios anexos! A igreja, que actualmente serve a paróquia, possui um excelente órgão do século XVIII e no Coro Baixo é possível ver cadeiras de coro magníficas e alguns belos quadros. Mas o grande esplendor de Arouca é a série de tremendas estátuas de freiras do século XVIII envergando o respectivo hábito, a preto e branco e em tamanho superior ao real, que observam todo o espaço a partir deste coro. Estilizadas e convencionais, têm, apesar de tudo, uma beleza e dignidade únicas nas pregas formais e rígidas das respectivas vestes e no contraste entre a rigidez das suas formas graníticas e a pintura sem falhas dos seus rostos, sob as linhas negras dos véus de granito. Dificilmente será possível acreditar, mas diz-se que a Comissão de Monumentos Antigos tem a intenção de retirar a tinta dos rostos e deixar apenas a pedra sem vida!
Arouca possui ainda outro tesouro, praticamente um tesouro secreto, que só por si deveria tornar esta localidade um local de peregrinação. Nunca é mostrado aos visitantes, a não ser que estes o solicitem, e é objecto de grande busca. Encafuado numa espécie de ambulatório no lado sul do coro, com a pior luz possível, pode ver-se um painel de madeira sobre o qual está gravado em baixo-relevo um retrato alegadamente de Santa Teresa. Somos forçados a acreditar que isso é verdade, pois a força e o poder de toda a figura é muito intenso e o vigor intelectual e a iluminação espiritual do rosto são extremamente surpreendentes. Sobre a história ou autoria deste painel não possível saber nada no próprio local: é apenas Santa Teresa. Ao olharmos para ele, sentimos que essa informação é quase suficiente. (...)»
in Duas Inglesas em Portugal. Uma viagem pelo País nos anos 40,
Edição original: 1949; Tradução: Quidnovi, Nov.2008, págs. 232 a 234.
.
Apenas duas notas para referir o seguinte: A situação do Convento de Arouca é hoje significativamente melhor que a observada por Ann Bridge, Embaixatriz da Grã-Bretanha, e Susan Lowndes, nos anos 40 do século passado.
As estátuas das freiras referidas no penúltimo parágrafo não foram limpas, mas, totalmente caiadas e rosadas nos lábios.
Talvez por má interpretação ou deficiente tradução, não se percebe que facto associado a um painel onde, alegadamente, figurava Santa Teresa, reclama tanto interesse. Abre-se aqui a pista para mais um enigma. Tal facto não seria desconhecido dos autores do roubo de uma tela em que figurava uma senhora com o Menino e que se econtrava exposta no local que a obra refere. Posteriormente, foi feita e colocada nesse mesmo local uma réplica da autoria de Ébil, que conhecera o painel original, mas, não terá agradado e, recentemente, foi removida para outra dependência do Museu de Arte Sacra. Subsiste, no entanto, a dúvida: Que facto de tanto interesse estaria associado ao painel em que, alegadamente, figurava Santa Teresa com o Menino?

1 comentário:

Pedro disse...

Gostava de te ver responsável pelo vasto património de Arouca. Não conheço ninguém que o viva da forma tão intensa com que o vives. É rara essa tua sensibilidade. Continua!