quinta-feira, 16 de outubro de 2008

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DE AROUCA

Frei Simão de Vasconcelos
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Os Vasconcelos, da Quinta do Outeiro, em Cesar, família fidalga aparentada com a melhor nobreza da região. Representavam-na, no final do Século XVIII, José Bernardo Pereira de Vasconcelos, casado com Ana Margarida de Almeida Cabral.
Houve do casamento quatro filhas e cinco filhos. Destes, Simão e José entraram na vida monástica; Joaquim Maria e Frederico optaram pela carreira das armas, segundo a tradição da época; António, o mais novo, colaborava com o pai na administração da abastada casa, cujas propriedades se estendiam de Cesar a Arouca, onde era senhor da Quinta do Outeiral.
Frei Simão de Vasconcelos, Monge de Cister, nasceu em Cesar a 28 de Setembro de 1789. Não conhecemos a data da entrada no Convento de Alcobaça, mas fácil é de concluir a sua reduzida permanência na vida religiosa; efectivamente, um «breve» do Núncio Apostólico, Cardeal Pacca, de 17 de Março de 1816, concedia-lhe a solicitada secularização. Por conseguinte, Frei Simão de Vasconcelos abandonou a vida monacal, aos 26 anos de idade.
O motivo invocado para deixar o convento foi o de prestar assistência a suas quatro irmãs, todas solteiras: Maria Albina, Ana José, Antónia e Maria Henriqueta. Mas estaria aí a verdadeira razão? Não seriam antes inconciliáveis o temperamento fogoso e lutador de Simão de Vasconcelos e os limitados horizontes das quatro paredes de uma cela? Não seria já reacção latente ao conservadorismo da Igreja perante os seus ideais?

Regressado a Cesar, à Quinta do Outeiro, Simão de Vasconcelos transformou-se em trabalhador agrícola. Mas a vizinhança não via com bons olhos o «despadrado», que não escondia, bem pelo contrário, o entusiasmo com que aderira às ideias revolucionárias vindas de além dos Pirinéus.
E a perseguição começou em breve. Os «realistas» das redondezas não lhe perdoavam os seus sentimentos liberais, que roçavam mesmo pelo fanatismo. E após alguns assaltos infrutíferos à Quinta do Outeiro, os irredutíveis inimigos conseguiram prendê-lo em 28 de Maio de 1828, depois de o balearem pelas costas. Conduzido à Cadeia da Vila da Feira, aí permaneceu durante pouco mais de um ano.
Conseguindo iludir a vigilância dos carcereiros, e contando, certamente, com a colaboração de alguns companheiros de ideal, Simão de Vasconcelos fugiu para o Porto, onde passou a arrostar com a penosa vida de foragido, qual fera indomável que mãos criminosas pretendem eliminar. E por aí se manteve até à entrada triunfal de D. Pedro IV.
Em breve Simão de Vasconcelos é recebido pelo monarca liberal, a quem conta a sua odisseia e apresenta um pedido: homens e armas para a organização de uma guerrilha. Pretensão satisfeita, o frade secularizado avança com os seus homens para Cesar, numa romagem de saudade que não mais se repetiria. Dali partiu para Arouca, onde, na Quinta do Outeiral, seu pai se refugiara.
Como é óbvio, o conhecimento da presença de Simão de Vasconcelos aguçou a sede de vingança das guerrilhas miguelistas. O embate foi inevitável, e Simão de Vasconcelos e os seus homens tiveram de render-se, por falta de munições, na manhã de 8 de Setembro de 1832, nas terras agrestes de Moldes, no concelho de Arouca.

Simão de Vasconcelos e seis companheiros de armas foram conduzidos à cadeia de Arouca. Dali seguiram a pé para Viseu, onde entraram no dia 19 do mesmo mês, por entre os insultos da multidão.
Na cidade de Viriato funcionava o célebre «tribunal do Terror», que já mostrara a sua crueldade ao ordenar o fuzilamento de três sacerdotes. E em 16 de Outubro nova sentença implacável: fuzilamento para Simão de Vasconcelos e os seis companheiros (António Joaquim, do Porto; Joaquim Gonçalves, de Penafiel; Francisco José Marques e José de Oliveira, da Vila da Feira; Joaquim José da Silva, do Porto, e Luís Ferreira da Costa Santana, de Viseu).
No dia seguinte, Simão de Vasconcelos é atravessado pelas balas das milícias de Bragança, no chamado Campo de Santa Cristina. Com impressionante serenidade – só possível nos heróis, que sentem a paz de consciência do dever cumprido – abraça os companheiros e agradece-lhes a lealdade. Ao ouvir a voz de «fogo» dirigida aos carrascos, pôde ainda gritar: Viva Deus! Viva a liberdade!
Todos foram sepultados na capela de S. Martinho. Mais tarde, após a consolidação da vitória liberal, os restos mortais destes e doutros mártires da liberdade foram trasladados, no meio de impressionante manifestação cívica, para um honroso mausoléu que uma comissão patriótica levantara nos claustros da Sé de Viseu.
Ali pode ler-se: «Pela adesão à liberdade, Carta e Rainha Maria II, por iníquas sentenças foram inocentemente condenados e fuzilados. (Seguem-se os nomes de Simão de Vasconcelos e outros mais, incluindo alguns espanhóis.) Descansam suas cinzas neste monumento, o qual em detestação da execranda tirania daquele tempo, e para memória perpétua de varões tão beneméritos da Pátria, os cidadãos de Viseu religiosamente e por comum subscrição lhes dedicaram no dia 16 de Agosto de 1836».

in Aveiro e o Seu Distrito, Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro,
n.º21, Junho de 1976

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