sábado, 12 de dezembro de 2009

Temos o Governo que merecemos?

O director deste semanário perguntou, na passada semana, Onde estão as elites? Eu creio que estão em casa, exiladas e em silêncio, trabalhando no anonimato e querendo manter toda a distância possível da chaga que alastra pelo país.
Podemos condená-las por tal atitude? Penso que não. Que poderiam elas fazer para competir com a horda de gente que ocupa as tribunas e a maioria dos lugares públicos? Se sabem escrever sem erros, se têm competência, se são honradas e não dependem do favor partidário, que motivos terão para se misturar? Estamos a falar de elites e não de classe dirigente. Há épocas, situações, circunstâncias, em que as expressões convergem, mas seguramente esse não é o nosso caso. Talvez isso explique as razões para estarmos como estamos e talvez isso nos faça perceber que, a despeito do que eu próprio sempre acreditei, as culpas não cabem todas na classe política. Quando as elites se exilam e o povo que vota pouco se importa com o facto de eleger pessoas condenadas pelos tribunais, ficamos com uma noção exacta do país em que nos transformámos.
Mas, afinal, qual a causa da nossa surpresa? No período pós-revolucionário varreram-se quadros competentes e sanearam- se cidadãos íntegros; e de então para cá, salvo honrosas excepções, assistimos ao que de pior poderia haver.
O povo parece pouco incomodado com os que roubam, desde que façam obra; a maioria das associações empresariais vivem dependentes do erário público e do favor político; muitos sindicatos estão subordinados aos cofres do Estado; os gurus do regime pulam de conferência em conferência, debitando teorias para o país, apesar de apenas conhecerem certos hotéis de Lisboa, o Palácio da Bolsa, no Porto, e algumas zonas do Algarve; e aqueles que o novo Estado designou, a seguir à revolução, de incultos foram simplesmente substituídos por autênticos patetas pedantes, sem princípios e sem qualquer noção de rigor e de ética.
Não chegámos aqui por acaso. Há causas e todas podem ser identificadas. Houve um tempo em que se afirmava que a maioria tinha sempre razão, mas nesse tempo ainda havia aquilo que Sá Carneiro, em 1976, dizia existir: «Um povo com uma cultura autêntica, não literária, não livresca, mas verdadeiramente humana».
Trinta e três anos depois, onde está esse povo? Uma parte morreu e outra abstém-se, refugia-se, isola-se e pertence a uma maioria silenciosa, que olha à esquerda e à direita e só vê corrupção, com chefes políticos atolados na lama e demasiado comprometidos uns com os outros, para poderem livremente falar.
Esse povo sabe que a cidade definhou, que o mundo rural desapareceu e que o novo sindicato de voto está, essencialmente, nos bairros sociais e no que de mais negativo existe na periferia e nas redondezas suburbanas.
Esse povo sabe que houve um regime onde havia segurança, mas onde faltava liberdade e percebe que vive hoje num regime onde existe liberdade, mas onde falta a justiça. E esse povo, no qual se integram as elites, tem consciência que liberdade sem justiça não é liberdade – é pura ilusão de liberdade. É nesta realidade que vivemos!
Manuel Monteiro, in Sol

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