quinta-feira, 22 de agosto de 2013

EVOCAR DOM DOMINGOS DE PINHO BRANDÃO

Assinala-se hoje o 25.º Aniversário do falecimento de Dom Domingos de Pinho Brandão, o último dos três bispos que Arouca deu à Igreja. Aproveitamos, pois, o ensejo para evocar a memória deste nosso tão ilustre e renomado conterrâneo.
 
 
Homónimo de seu pai, Domingos de Pinho Brandão foi o primeiro varão dos seis filhos sobreviventes de Domingos de Pinho Brandão, natural da Casa de Cimo de Vila, freguesia de Rossas, e de Luciana Joaquina de Jesus Martins, natural de Nabais, freguesia de Escariz. Nasceu na Casa do Outeiro, na freguesia de Rossas, no dia 09 de Janeiro de 1920 e foi baptizado na igreja matriz desta paróquia, no dia 15 do mesmo mês, pelo padre Luís de Almeida Aguiar, sob testemunho e apadrinhamento dos tios maternos António Francisco da Silva Martins e Clara Joaquina de Jesus.
Domingos, cujo nome era também já uma tradição de boa memória na família, personalizada pelo seu pai e pelos seus antepassados Pe. Domingos de Pinho Brandão e Domingos Manuel de Pinho Brandão, recebeu apenas os apelidos paternos. Era então também ainda uma tradição reservada aos filhos varões das principais famílias, mas, neste caso, o apelido composto Pinho Brandão era ainda mais significativo e preservado que aquela tradição. A formação deste tão estimado apelido deu-se quase trezentos anos antes, no lugar de Terçoso, desta mesma freguesia, onde nasceu José de Pinho Brandão, filho de Domingos Brandão e Antónia de Pinho. Em 21.VIII.1717 José contraiu matrimónio com Maria Vaz, filha de António Vaz e Isabel Jorge, da Casa de Cimo de Vila, onde residiram e deram continuidade aos Pinho Brandão, cujos ramos se propagaram a muitas outras casas da freguesia, onde ainda hoje se contam muitos descendentes deste composto apelido.

Ainda de tenra idade, Domingos começou a manifestar o interesse em prosseguir os estudos e em ir para o Seminário. O pai, porém, não achava muito boa ideia. Afinal, tratava-se do primeiro filho varão e, por tradição, legitimo sucessor nas propriedades da Casa, que eram consideráveis. Depois, o patriarca Domingos de Pinho Brandão tinha já um clérigo entre os seus irmãos. Joaquim de Pinho Brandão, que paroquiou a vizinha freguesia de Chave e, temporariamente, também a paróquia de Albergaria das Cabras.
Enquanto estudante no Seminário de Beja, Joaquim de Pinho Brandão foi colega de Aquilino Ribeiro. De resto, este insigne romancista não foi indiferente às características, capacidades e dotes deste arouquense, dedicando-lhe mesmo alguns trechos das suas Memórias.
«Cedo se singularizou até pela boa memória. Em matéria de meter no caco, era uma barra. Foi assim que se tornou um ás nos latins, sendo certo que o conhecimento desta língua depende do poder de retentiva, como sugere o ditado: conjuga e declina, saberás língua latina.
Nós, sempre que tropeçávamos na tradução dos textos ou em qualquer anfiguri da linguagem, íamos ter com o Brandão. Ele, de duas palhetadas, tirava-nos de dificuldade. Mas não era apenas no latim-latão que era mestre. Em qualquer autor clássico do Lácio ou obra didáctica em latim, navegava com a prontidão duma piroga na água morta dum rio.
O Seminário, porém, não digerira o campónio. Em despeito das mãos lavadas, de fazer a barba e assoar-se a um lenço, do seu saber no idioma de que hoje apenas se serve Roma para falar ao orbe, persistia nele o homem da terra, arroteador e seareiro, a tresandar a leiva e proliferação. De carácter sonso e reservado, com o lume da desconfiança a fosforejar na menina do olho, apenas quando o vinho de Fuseta lhe trepava ao capitel se esquecia e entrava no caminho das expansões.».
Mas, nestas coisas das vocações, e nomeadamente da inclinação para a vida religiosa e vocação para servir a Igreja de Pedro, é inevitável a influência do ambiente religioso da paróquia e da prática do respectivo abade. Luís de Almeida Aguiar, natural de Macieira de Cambra, foi o pároco que serviu Rossas (de 1911 a 1946) durante toda a “vida civil” do futuro bispo da Casa do Outeiro. Dos familiares que trouxe consigo ficou respeitável descendência em Rossas do apelido Aguiar Soares. Batizou Domingos e foi rendido por este no comando da paróquia.
No entanto, mais do que a influência do padre Luís ou do tio padre Joaquim, terá sido a ambiência política e social da época, em que se vivia o rescaldo de uma guerra e estava latente uma outra; em que no campo religioso se recompunham as coisas após as polémicas consequências da Lei da Separação da Igreja do Estado, amenizadas e até revertidas com as Aparições de Nossa Senhora na Cova da Iria. Também, e principalmente, o espírito e as práticas seguidas em casa, impulsionadas por sua mãe. De resto, as orações eram de tal forma rigorosas que, mesmo na altura das desfolhadas, antes de seus irmãos poderem sair para as mesmas, tinham de rezar um terço. Confidenciou-nos Luciana de Pinho Brandão, irmã de Dom Domingos.
Porém, prosseguir os estudos em Arouca não era ainda um desejo de fácil concretização. Nessa altura davam-se ainda apenas os primeiros passos no sentido de estabelecer o ensino das primeiras letras. O pontapé de saída havia já sido dado na vila, com a Escola Conde de Ferreira, benefício do altruísmo do comerciante e filantropo Conde de Ferreira. Mas, só muito mais tarde se haveria de alargar a rede de ensino primário em Arouca.
António de Almeida Brandão, que beneficiou da afetividade, educação e ajuda de sua madrasta, tia paterna de Domingos de Pinho Brandão, deixou-nos escrito nas suas Memórias de Um Arouquense que: «Data dos primórdios deste século (XX) o auspicioso momento em que foi dado início ao combate ao analfabetismo, nesta freguesia, pela nomeação do primeiro professor oficial, destinado a reger uma escola de ensino básico, como agora se diz, ou seja, uma escola primária. O seu nome era António Rodrigues Rapinaldo Godinho, veio dos lados de Ovar com a família, instalou-se na Casa do Outeiro, na qual também foi instalada a respectiva escola, na sala principal».
A solução, no entanto, era provisória e, com a aquisição da Casa do Outeiro ao insigne cientista Egas Moniz pelos Pinho Brandão da Casa de Cimo de Vila, tornou-se urgente. Tanto mais que, à falta de edifício próprio, a instalação das salas de ensino das primeiras letras em casas particulares da freguesia, permaneceu algo instável. Aquando da aquisição da Casa do Outeiro, Domingos de Pinho Brandão assumiu o compromisso de conseguir uma solução para o ensino primário na freguesia. As soluções imediatas, contudo, revelaram-se igualmente provisórias por alguns anos. A sala de ensino primário foi então sucessivamente instalada, primeiro, numa sala da Casa de Terçoso, depois, numa sala da Casa da Barroca e, finalmente, numa sala da Casa do Paço, de António de Pinho Brandão, primo do patriarca da Casa do Outeiro, onde se manteve até 1933. Por estas salas passaram, entre outros, os seguintes professores: Ana dos Santos Marques Ribeiro, natural de Poiares, Régua; Dionísio da Conceição e Silva, natural de Mosteirô, Fermedo, e Etelvina Mafalda Meireles, natural de Aveiro.
Precisamente um ano antes do nascimento de Domingos, seu pai tomou posse como presidente da Junta de Paróquia de Rossas. Sem sede própria, arranjou-se uma sala numa casa de família, sita no lugar da Barroca, onde se arrumou a papelada e se passaram a realizar as Sessões. Foi reeleito em Janeiro de 1920, Janeiro de 1923 e Janeiro de 1926.
Quando, em 1919, Domingos de Pinho Brandão chegou à presidência da Junta de Freguesia, ainda se encontrava sobre a mesa a batata quente de encontrar uma solução definitiva para alojar o ensino primário da freguesia. Não correspondesse já a um seu compromisso, o pai do futuro bispo de Rossas logo se empenhou nas maiores diligências com vista à construção de um edifício para instalar a escola primária. O que logo iniciou nas suas próprias propriedades. Contudo, o terreno era mais pequeno que a vontade e o Estado recusou-se a auxiliar a construção. Faltava espaço para recreio das crianças. Volvidos quatro mandatos à frente da Junta de Freguesia, Pinho Brandão não conseguiu dar conta do recado.
Sucedeu-lhe o seu parente José Soares de Pinho Brandão, da Casa de Telarda, e, a este, o também seu parente José de Pinho Brandão, da Casa do Corregato. Foi então nos mandatos deste último parente de Domingos de Pinho Brandão que a solução se encontrou, estendendo o terreno já cedido por este a propriedades de Manuel Francisco Martins, da Casa da Barroca, emigrado em Africa, e de José de Pinho Brandão Júnior, da Casa da Sêca do Paço, entretanto a residir na Quinta dos Mouros, freguesia do Burgo, que se prontificaram a ceder graciosamente o terreno necessário. Para além do terreno, a Casa do Outeiro ofereceu um carvalho que, só ele, deu todo o travejamento, janelas e portadas do edifício.
Estávamos então em 1932. A Junta de Freguesia comprometeu-se a abrir os alicerces, fornecer toda a pedra necessária posta na obra, toda a madeira, incluindo a necessária para soalhos, abarrotamento e portais, devidamente serrada e posta na obra, todo o saibro preciso e o terreno indispensável à construção do recreio. Por Portaria do Governo, datada de 23 de Dezembro de 1932, foi disponibilizada uma verba de trinta e cinco mil escudos, considerada suficiente para conclusão do novo edifício escolar, atendendo ao auxílio e generosidade do povo da freguesia e o concurso da respectiva Junta. A inauguração do edifício escolar teve lugar em 27 de Novembro de 1933.
Quem já não chegou a sentar-se nos bancos desta escola, foi o pequeno Domingos.
«Entrámos no velho Colégio da Formiga no mesmo dia. Parece que estou a vê-lo, muito tímido, com seu fatinho domingueiro de cor verde-garrafa. Foi no ano longínquo de 1932. Depois foi uma ascensão permanente, primeiro como aluno do Seminário e da Universidade Gregoriana, em Roma, depois domo Professor do Seminário Maior, da Universidade do Porto e de vários outros estabelecimentos de ensino», escreveu o seu colega, amigo e confesso admirador padre Alexandrino Brochado.
Sempre que regressava a Rossas, o jovem Domingos não deixava de participar nas actividades culturais e nas manifestações de carácter religioso, principalmente nas festividades em honra de Nossa Senhora do Campo onde, desde cedo, começou a marcar presença com contributos e discursos magistrais.
«Nas cerimónias que se vão realizar nesta freguesia, pelas 19 horas do dia 10 de Agosto próximo, por ocasião dos grandes festejos a Nossa Senhora do Campo, de homenagem e exaltação à Cruz, além do pregador da festa, falarão o sr. Domingos de Pinho Brandão, aluno do curso teológico que vem frequentando com grande distinção, e o menino Elísio de Almeida Azevedo. No acto de descerramento da lápide comemorativa, além dum dos oradores precedentes, discursará o menino Artur Garrido Brandão. Todas as cerimónias revestir-se-ão de grande brilho e solenidade. C.»
Os progressos e sucessos do jovem e futuro padre Domingos eram acompanhados com interesse pela comunicação social da época:
«Com a elevada classificação de 17 valores (1.º distinto) transitou para o 2.º ano do curso teológico o inteligente estudante sr. Domingos de Pinho Brandão, do Outeiro, de Rôssas.»
«Domingos de Pinho Brandão – De sua casa do Outeiro de Rôssas, onde veio passar alguns dias junto da sua família, seguiu para o Colégio Português em Roma, a fim de se doutorar em Teologia pela Universidade Gregoriana, o nosso amigo sr. Domingos de Pinho Brandão, mui distinto aluno do 3.º ano de Teologia do Seminário da Sé, da cidade do Porto. Desde já desejamos ao futuro doutor muitas felicidades.»
Frequentou os Seminários do Porto e a Universidade Gregoriana, em Roma, onde se formou em Teologia, tendo sido ordenado presbítero, em S. João de Latrão, Roma, a 24 de Abril de 1943.
Domingos de Pinho Brandão foi pároco na sua freguesia natal durante alguns meses, no ano de 1946, sendo, pouco tempo depois, nomeado professor do Seminário de Vilar. Leccionou igualmente no Liceu, em Colégios, no Instituto de Serviço Social e na Faculdade de Letras do Porto, a que somou a Reitoria do Seminário Maior. Trabalhou na Acção Católica, particularmente nos meios universitários, na Cúria Diocesana e nas comissões de Arte Sacra e Liturgia. Dedicou-se à Arqueologia e Museologia tendo sido fundador e organizador de vários museus, nomeadamente o Museu de Arqueologia e Arte Sacra do Seminário Maior do Porto e o Museu de Arqueologia da Faculdade de Letras.
 
Na inauguração do Campo Afonso Pinto de Magalhães, em 26 de Setembro de 1971
Pinho Brandão, sem deixar de ser um pensador, foi, marcadamente, um homem de acção. Em tudo aquilo que fez, e foi muito, pôs sempre um empenhamento total, não cedendo a dificuldades, obstáculos, incompreensões ou falta de saúde. Com entusiasmo ou com paciência, sempre com tenacidade, e às vezes com sacrifícios, Domingos procurou sempre ir até ao fim nas tarefas a que se propunha.
A provar aquilo que se acaba de dizer, e para além da faceta que lhe confere maior respeito e admiração, Domingos de Pinho Brandão, ocupa lugar de destaque pelas suas acções no domínio da Arqueologia que hoje, entre nós, se tem como vasta, mas que antes de si nada mais havia se não aquilo que à superfície era possível observar.
Antes de si, nos anos cinquenta, foram feitas as primeiras intervenções Arqueológicas no concelho, sob coordenação do Pe. F. Almeida Fernandes. Das relações mantidas entre ambos, nada descobrimos. Contudo, foi Pinho Brandão que deu continuidade a essas intervenções e promoveu muitas outras, acrescentando maior valor à arqueologia arouquense e atribuindo maior importância ao seu torrão materno, que desde pequeno e sempre que se proporcionava calcorreou curioso.
Nas férias da Páscoa de 1957, acompanhado dos seus alunos, promoveu escavações de diversos monumentos megalíticos nas freguesias de S. Miguel do Mato e Escariz. Nesse período terão vindo à luz do dia as Mamoas 1, 2 e 7 da Aliviada; Mamoa 1 e 3 do Coval; Mamoa 2 e 3 da Venda da Serra.
Como investigador, Dom Domingos revelou uma inexcedível paciência. Passava férias nos arquivos na pesquisa de escrituras que esclarecessem a época e os autores de tantos desses magníficos retábulos do século XVII e XVIII que enchem as nossas igrejas e capelas. A experiência que adquiriu na pesquisa de arquivos e no domínio da paleografia conferiu-lhe uma invulgar capacidade para resolver problemas históricos.
Em 1963, trouxe à luz do dia o seu trabalho ROSSAS DE AROUCA. SUBSÍDIOS PARA A SUA HISTÓRIA. OS LIMITES DA FREGUESIA, considerado um notável estudo da arqueologia das delimitações territoriais, tanto mais, que se fez no terreno, onde passo a passo se calcorreou os limites da freguesia, se confirmou e reconstituiu a respectiva linha divisória, localizando e identificando os marcos de Malta. Referência para nós inevitável, uma vez que neste trabalho alicerçámos as nossas pesquisas sobre a freguesia de Rossas.
«Quando, num momento sumamente delicado da vida daquele Seminário Teológico (do Porto), tive de procurar o homem próprio para exercer a reitoria, a minha consulta com o Vigário-Geral de então e também Decano dos professores e com outros era à busca dum padre de solidez psicológica indúvia, de carácter firme e transparente, de inteligência lúcida, dúctil e activa, e finalmente da cultura apropriada: para o dizer na linguagem do povo que se considerava educador por excelência, - o povo inglês – procurávamos a soundness de personalidade e carácter, a fim de colocar the right man in the right place. E assim convivemos na pessoa do Dr. Domingos de Pinho Brandão, a quem nomeei Vice-Reitor, com exercício efectivo da reitoria: acerto de escolha que foi confirmado, três anos depois, com a nomeação formal de Reitor. Mas não tardou muito que a Sé Apostólica reconhecesse as qualidades de D. Domingos e o chamasse à dignidade e serviço episcopal, primeiro na Diocese de Leiria e depois na do Porto. O que foi D. Domingos Brandão e continua a ser no serviço destas Igrejas particulares competirá especialmente aos Bispos em título dizê-lo; por mim aproveito mais esta feliz ocasião para expressar-lhe, simplesmente e sempre de novo, quanto me sinto grato pela sua amizade, lealdade, colaboração e bom conselho, que, sendo serviço da Igreja, me obrigam a mim ao franco reconhecimento e à perpétua homenagem», escreveu Dom António Ferreira Gomes, Bispo do Porto.
Em Dezembro de 1966 foi eleito Bispo Titular de Filaca e, 29 de Janeiro de 1967 foi ordenado Bispo, sendo logo nomeado Bispo Auxiliar da Diocese de Leiria, onde foi recebido em 12 de Fevereiro de 1967.
«Após a sua saída do cargo de Reitor do Seminário da Sé, sem que nada, aparentemente, o fizesse prever, D. Domingos é nomeado Bispo Auxiliar de Leiria. Estava na pujança da vida, com uma produção literária e um labor intelectual que nos impressionava. Nessa altura leccionava na Universidade do Porto, na Faculdade de Letras, impondo-se à apreciação de todos como professor de raro mérito, de saber e honestidade incontestáveis.
Quando saiu a público a sua nomeação de Bispo Auxiliar de Leiria recordo-me de lhe ter dito: Não te felicito. Ganhou-se um Bispo, mas perdeu-se um homem para a ciência e para a cultura. Hoje, penso que me enganei, porquanto, mesmo depois de Bispo, o Senhor D. Domingos nunca se distanciou da cultura, sobretudo da história, da arte, da arqueologia e da epigrafia, ciências que para ele constituíam uma verdadeira paixão», escreveu o seu colega, amigo e confesso admirador Alexandrino Brochado.
A 5 de Fevereiro de 1967, por iniciativa do Município de Arouca e em perfeita união com o povo do concelho, foi-lhe prestada uma grande homenagem, celebrando a sua elevação à dignidade episcopal.
«Chegou a ocasião oportuna de Arouca prestar a devida homenagem a um dos mais ilustres filhos, o Senhor D. Domingos de Pinho Brandão, agora escolhido, pela Santa Sé, para Bispo Auxiliar da Diocese de Leiria.
Todos os arouquenses, mesmo os que, desde há anos, trabalham e vivem fora da sua terra, sem distinção de ideais políticos, nem sequer de crença religiosa, vibraram de contentamento, ao saberem da nomeação dum seu conterrâneo para a alta função de Bispo.
As adesões à iniciativa da homenagem chegaram apressadamente, de toda a parte, em número surpreendente.
A homenagem de amanhã vai ser, pois, um grande testemunho de bairrismo do povo de Arouca, não só pelo número de pessoas, mas ainda mais pela vibração da sua alegria.(…)», pode ler-se nas páginas do saudoso semanário “Defesa de Arouca”.
Ainda em 1967, foi-lhe prestada idêntica homenagem pela sua freguesia. A ordenação episcopal deste seu conterrâneo constituiu um dos mais importantes acontecimentos para Rossas. A população disso deu prova construindo um tapete de flores da Casa do Outeiro à igreja Paroquial, onde se celebrou a Eucaristia. Seguiu-se um almoço no salão da residência paroquial, de que fizeram parte as pessoas mais importantes da freguesia.
Durante os mais de cinco anos de seu ministério pastoral em Leiria, de que era titular Dom João Venâncio, Dom Domingos percorreu a Diocese inteira e aproveitou a oportunidade para satisfazer a sua curiosidade científica, nos domínios da Arqueologia e da Arte Sacra, deixando aí estudos de valor reconhecido e as bases fundacionais do Museu Diocesano de Leiria. O fim do ministério episcopal de Dom Domingos em Leiria deu-se em 1 de Julho de 1972, simultaneamente com a resignação do Bispo Titular Dom João Venâncio. Nesse mesmo dia, Dom Domingos foi nomeado Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, sua Diocese de origem.
Em 01 de Julho de 1972, sendo já Bispo de Filaca e Auxiliar da Diocese de Leiria, foi nomeado Bispo Auxiliar do Porto.
Foi ainda co-director da Revista de Arqueologia "LVCERNA" e redactor da "MVSEV", revista de Arte, membro de várias agremiações literárias e científicas, particularmente da Academia Nacional de Belas Artes. E soube aliar, exemplarmente, o múnus pastoral a um rigoroso estudo e divulgação do Património da Igreja do Porto. A doença que o haveria de vitimar mostrou-o como «homem das dores», frontal e trabalhador incansável, até ao fim”
Em 02 de Janeiro de 1977, foi eleito Juiz da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda, que cumulou com a Direcção do Museu de Arte Sacra, cargos que desempenhou até ser chamado à presença do Pai.
«Já fortemente fustigado pelos ventos duma doença implacável, D. Domingos ainda conseguiu concatenar os seus apontamentos que pacientemente recolhera nos anos sessenta, percorrendo os arquivos do País e sobretudo da Diocese do Porto, onde nunca sentiu receio de sujar as suas mãos no pó dos mesmos. Os três volumes da Obra de Talha Dourada, Ensamblagem e Pintura na Cidade e na Diocese do Porto são três pedras dum monumento literário que ele já não pôde concluir. Muitas vezes me dizia: não posso perder mais tempo, sinto a vida a fugir.
Sobre Nicolau Nasoni, o grande arquiteto da cidade do Porto, ninguém como ele escreveu mais e melhor. Razão teve a edilidade portuense para muito merecidamente lhe outorgar a Medalha de Ouro da Cidade, e bem andou o Governo quando lhe concedeu as mais altas condecorações da área da Ciência e da Cultura. D. Domingos criou uma escola de arqueólogos na Faculdade de Letras do Porto. Nos colóquios de arqueologia que promoveu, ninguém discutia a sua abalizada opinião. Era um mestre que todos aceitavam. Os caminhos da arte, da história, da arqueologia e da epigrafia, percorreu-os como grande senhor que tratava por tu estas ciências e especialidades. Como museólogo, marcou lugar de relevo na criação dos museus, do Seminário do Porto, da Faculdade de Letras, do Museu Regional de Arouca e da Diocese de Leiria.
Como Sacerdote e Bispo a acção e a obra do Senhor D. Domingos não foi menos notável. Deu menos nas vistas, mas posso assegurar que D. Domingos foi um grande apóstolo, condutor de almas, que marcou fortemente aqueles que com ele contactaram mais de perto. Mesmo quando se evidenciou no mundo da cultura profana, D. Domingos estava a servir, e serviu de facto, a Igreja, que prestigiou como poucos. A grande homenagem que a Academia Portuguesa da História lhe prestou, pouco antes de falecer, é prova do que acabo de escrever. Trabalhador incansável, D. Domingos concebeu na sua juventude um projecto de vida ao qual se devotou totalmente. Viveu para o seu múnus sacerdotal e episcopal, viveu para a ciência, para a arte, para a cultura, a minha paixoneta, como várias vezes lhe ouvi dizer.
Homem de vontade indómita e férrea, D. Domingos até na doença e nas terríveis limitações que ela lhe trouxe foi uma lição e exemplo vivo de aceitação do sofrimento. Até no sofrimento e na morte foi grande!
A sua memória perdurará nas gerações que vierem, porque D. Domingos alguém que na vida terrena cresceu todos os dias um pouco, até ser muito grande. As palavras que deixo escritas são o testemunho sincero de um grande amigo, que se habituou a ver no Senhor D. Domingos uma vida paralela, sempre presente nos momentos de glória e de sofrimento. Era uma presença, uma palavra de incitamento e de ajuda que me habituei a ver como grande amigo e como grande mestre», escreveu o colega e amigo padre Alexandrino Brochado.
«Embora não participando nas cerimónias religiosas da festa de Nossa Senhora do Campo, como era hábito, esteve nesta freguesia, durante o último fim de semana, junto dos seus familiares, o senhor D. Domingos de Pinho Brandão, Bispo Auxiliar do Porto, assim o permitiu, felizmente, uma melhoria do seu estado de saúde.
Ao senhor D. Domingos as nossas saudações e votos de que, no próximo ano, já lhe seja possível viver mais de perto esta bonita festa do povo de Rossas (c.)»
Em 18 de Dezembro de 1984, foi condecorado com a Grã Cruz da Ordem Militar de Santiago de Espada, como reconhecimento pelo extraordinário serviço à cultura portuguesa.
O Seu derradeiro suspiro soou em 22 de Agosto de 1988. Os Seus restos mortais repousam na campa de família, no cemitério paroquial de Rossas.
É hoje nome da principal Alameda de Arouca, onde se encontra um busto em sua homenagem, oferecido pela Fundação Eng.º António de Almeida; de uma rua na Foz do Porto e, futuramente, de uma Rua na freguesia de Rossas e de uma Biblioteca a instalar no Mosteiro de Arouca, com obras da sua autoria e biblioteca pessoal, legado que regressou à Sua terra natal por graça de um acordo celebrado em Dezembro de 1995, entre o reitor do Seminário Maior do Porto e o presidente do Centro de Estudos Dom Domingos de Pinho Brandão.
A instalação desta Biblioteca e a inauguração de uma Rua na freguesia de Rossas seriam, com certeza, duas excelentes formas de homenagear e preservar a Memória deste nosso tão ilustre e renomado conterrâneo. Duas excelentes formas de assinalar a passagem do 25.º Aniversário do Seu falecimento.

RIBEIRO, Aquilino (1974), “Um Escritor Confessa-se. Memórias”, Livraria Bertrand, pág.80 e ss.
BRANDÃO, António de Almeida (Lisboa, 2000), Memórias de Um Arouquense, Universidade Nova de Lisboa, pág.339 e ss.
in Jornal “Gazeta de Arouca”, n.º 726, de 13.II.1926, n.º 763, de 15.I.1927, n.º 44, de 7.VII.1928.
in Jornal “Gazeta de Arouca”, n.º 998, de 11.II.1933; BRANDÃO, António de Almeida (Lisboa, 2000), Memórias de Um Arouquense, Universidade Nova de Lisboa, pág. 341 ss.
in Jornal “Gazeta de Arouca”, n.º 996, de 28.I.1933.
Jornal “Defesa de Arouca”, n.º 757, de 3 de Agosto de 1940, pág. 3.
Jornal “Defesa de Arouca”, n.º 806, de 19 de Julho de 1941, pág. 2.
Jornal “Defesa de Arouca”, n.º 833, de 31 de Janeiro de 1942, pág. 2.
José da Silva (Porto, 1984), LVCERNA, Homenagem a D. Domingos de Pinho Brandão, pág.15 e ss.
in Bispos da Diocese de Leiria, Catedral de Leiria, pág. 60.
in www.ecclesia.pt – Congresso “Tempos e Lugares de Memória”
Jornal “Defesa de Arouca”, n.º 1274, 14.V.1980, pág. 4.

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