terça-feira, 26 de abril de 2011

A propósito dos limites do concelho de Arouca

No meu último artigo sobre a importância da nossa imprensa escrita, referi que: «quem julga poder conhecer alguma coisa sobre o nosso presente e poder projectar e perspectivar o nosso futuro sem conhecer o nosso passado, segue por caminhos tortuosos…» Pois bem! Os assuntos relacionados com os limites e delimitação do nosso concelho são disso, porventura, o melhor exemplo. Talvez dos assuntos mais controvertidos e que mais se arrastam no tempo de forma indefinida, suscitando novas e mais controvérsias sempre que retomados. O caso particular dos limites da freguesia de Rossas na Serra da Freita e, também assim, do concelho de Arouca com o vizinho de Vale de Cambra, é dos mais antigos e, por isso, paradigmático.
Decorria ainda a Reconquista de Portugal, quando a rainha Dona Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques, terá fundado duas Albergarias, que a neta Dona Mafalda, também dita rainha, aumentou depois: uma na serra de Fuste e outra na parte de Rossas. Daquela, subsiste ainda hoje pelo menos um vestígio e o próprio topónimo da freguesia da Serra; quanto à de Rossas, apenas ficou a tradição de ter existido ao lado da estrada que do Merujal seguia para o Porto, tendo desaparecido no dealbar do século XVIII. Já então a freguesia de Rossas se estendia até ao alto da Freita, portanto!
Também aos primórdios da Nacionalidade remonta a presença da Ordem de Malta, entre nós. Para pôr termo a violentas contendas entre Cavaleiros da Ordem e os criados da Abadessa Dona Mafalda, justamente por causa daquela última Albergaria, se estabeleceram pazes com Rossas por 60 anos, corria o ano de 1234. Vigorava ainda aquele pacto quando faleceu Dona Mafalda e o seu sobrinho, el-rei D. Afonso III, ordenou que se entregasse ao Convento o que lhe era devido, reconheceu-lhe todos os seus direitos na terra de Arouca e ordenou que se delimitasse o seu termo dos das terras de Santa Maria, Fermedo, Cambra, Lafões, Paiva e Alvarenga. Remonta a 1257 a primeira delimitação das terras de Arouca, nomeadamente com as terras de Cambra, portanto!
Em 1629 o então Comendador de Rossas ordenou a Demarcação dos limites da sua Comenda, mandando levantar marcos de pedra, com aquela data e a Cruz de Malta em relevo. Iniciou-se a dita Demarcação em Janeiro de 1630, faltando à mesma os representantes do Convento e de São Miguel de Urro. Tudo decorreu com normalidade desde a Pedra Má até ao alto da Freita, prosseguindo junto à Capela da Senhora da Lage, onde se levantou um dos referidos marcos. Quando os vizinhos se deslocaram à Capela já o marco se encontrava levantado. Depressa se instalou a confusão e o sino começou a tocar a rebate! Rossas estava a apropriar-se da Capela pertencente a Urro! Estaria mesmo? Não! Porém, ainda hoje há quem diga que sim. Tanto há e tanto houve que, em 1656, São Miguel de Urro e o Convento, como se adivinhava, solicitaram esclarecimento dos limites das suas terras com as da Comenda. No entanto, os populares permaneceram na ignorância, primeiro sem saber e depois sem ler, sobre o que ficou escrito nos Autos. Partiram-se os marcos junto à Capela. Deixaram-se, no entanto, os marcos que estendiam Rossas ao canto do Merujal, onde ainda hoje se encontra o marco, com a data de 1629, levantado em 1630.
Já na primeira metade do século passado a Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, rogava ao Ministério do Interior providenciasse para que fosse feita a delimitação dos concelhos de Arouca, Vale de Cambra e São Pedro do Sul, cujos limites entre si não se encontravam estabelecidos. Como terá sido possível, nomeadamente a passagem de Covelo de Paivô daquele último concelho para o de Arouca, em 1917, sem que se estabelecessem rigorosamente os limites das duas circunscrições?
Em sequência de tais ajustes, Manuel Rodrigues Simões Júnior, mestre doutros ofícios, mas, curioso destas coisas, viu-se obrigado a patrocinar a defesa dos interesses de Arouca, quando viu a Frecha da Mizarela e as Pedras Parideiras serem cobiçadas pelo município vizinho de Vale de Cambra. Socorreu-se então das ordens expedidas por D. Afonso III, para esclarecer tratar-se de território de Arouca desde, pelo menos, 1257.
Entretanto, tal como a letra dos pergaminhos de D. Afonso III, permaneceu morta a letra dos Tombos de Rossas até meados do século passado, altura em que Domingos de Pinho Brandão, vocacionado para outros ofícios, mas, interessado por estes assuntos, "desenterrou" os Autos em Coimbra, "ressuscitou" a sua letra e foi para o terreno reconstituir os limites da freguesia e inventariar os marcos. Depressa correu o boato de que o futuro bispo de Rossas andava a tentar recuperar a Capela para a sua freguesia, já que segundo a memória e tradição popular, bastava que um padre ou a Cruz de Rossas entrasse na Capela, para que esta passasse automaticamente a pertencer a Rossas. Seria mesmo assim? Não. Mas, pasme-se, ainda hoje há quem diga que sim.
Pasme-se também, e para além de tudo, que entrados já no século XXI, as próprias entidades oficiais, digam que se encontram por resolver problemas de estremas que se encontravam pendentes há décadas e também por esclarecer, entre outras, está a zona das Pedras Parideiras e da Aldeia da Castanheira, estando em causa a paz com Vale de Cambra, como se deduz do que referiu o então e actual presidente da Câmara de Arouca, em finais de 2008. Por essa razão e nessa mesma altura, Artur Neves anunciou como iminente um acordo sobre os limites com Vale de Cambra, informando que a própria Câmara havia remetido para a sua congénere Cambrense a proposta final que posteriormente haveria de ser ratificada pelos respectivos executivos e, mais tarde, pelas Assembleias Municipais e Assembleias das freguesias envolvidas, nomeadamente, as de Chave, Urrô, Rossas, Albergaria da Serra, Arões, Vila Cova de Perrinho, Macieira de Cambra, Rôge e Cepelos.
O edil arouquense referiu então que as negociações decorreram de forma pacífica, tendo havido apenas algumas resistências em terrenos baldios nas zonas serranas, pelo que se haviam decidido por um processo de decisão e acordo ao mais alto nível, envolvendo directamente os presidentes de Câmara, com muitos encontros no próprio terreno para fazer avançar as delimitações. Pelo que concluiu estar convencido que a solução final está a contento de todas as partes envolvidas.
Por estes dias, ultrapassada que está já a primeira década deste século, a Câmara Municipal retomou o assunto. Pelo que se aguarda com justificada expectativa seja tornado público o dito acordo.


publicado no jornal semanário "Discurso Directo", número 155

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