domingo, 22 de janeiro de 2006

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DE AROUCA - II

Virgolino, o escravo da Casa de Terçoso
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Um dos escravos que António Virgolino Mendes de Vasconcelos Cirne tivera em Africa, veio para a Casa de Terçoso, freguesia de Rossas, não se sabe bem quando, mas celebrizou-se pelo seu fim trágico. Virgolino era seu nome (provavelmente, devido ao nome de seu Senhor).
A Casa de Terçoso era, à altura, uma das maiores e mais abastadas casas do concelho de Arouca e, por isso, extensas as suas propriedades que abrangiam toda aquela encosta de Carvoeiro e Sinja que, da dita casa se estendiam até ao rio Urtigosa.
Assim, dadas as características das ditas terras, forçados se tornavam os trabalhos de amanho das mesmas. Por outro lado, a falta de água provocava os maiores suores nos meses de Verão, tanto mais que o sol apenas dava sossego àquelas propriedades e aos que nelas trabalhavam, passada a hora da merenda.
Nos inícios do século XVI, o Senhor da Casa, prometeu a liberdade a Virgolino, em troca de um pesado e penoso trabalho: para conseguir tão ambicionado ensejo, teria de conseguir fazer transportar água desde o ribeiro da Escaiba até à Quinta de Terçoso, numa distância de cerca de 2 Km.
Sem perder muito tempo, Virgolino pôs a precária ferramenta de que dispunha às costas e fez-se a caminho de tal empreendimento. Era tal o percurso para chegar à Escaiba que, uma vez aí chegado já nem forças para voltar lhe restavam. Mas, enfim, havia que por mãos à obra para conseguir a almejada liberdade.
Pelo cimo de abruptas rabinas, donde a mais pequena pedra que rebolasse só parava no ribeiro, rompendo fragas e abatendo duros obstáculos, Virgolino, após longos e penosos meses de trabalho, transportou a água desde o ribeiro da Escaiba até Terçoso. A sua satisfação era tanta que, de imediato, percorreu toda a extensão do rego, concertando a mais pequena ruptura e reforçando os bordos mais frágeis.
Daí por diante, nunca mais faltou água com fartura na Quinta de Terçoso e a tonalidade dos campos depressa o começou a evidenciar.
Contudo, chegada a hora de solicitar a prometida liberdade ou, pelo menos, o reconhecimento que lhe permitisse aliviar as costas de tamanhos trabalhos forçados, em vez de se lhe abrir a porta ou permitir endireitar o corpo, o escravo recebeu do seu Senhor a maior das ingratidões - continuaria a estar ao serviço da Quinta nessa qualidade.
Cansado, triste, desiludido, amargurado e desesperado, o escravo Virgolino apenas repetia e cada vez com mais frequência que: «os que me comeram a carne, também me hão-de chupar os ossos». Contudo, poucos ouvidos se deram aos delírios do pobre escravo.
No Outono seguinte, pelas vindimas, o escravo desapareceu. Procurado por todo o lado, Virgolino não apareceu!
Passados meses, ao esvaziar uma última pipa de vinho, foi enorme o espanto dos criados do morgado ao verem que no fundo quase desfeito, se encontrava o pobre escravo que ali se tinha deitado a afogar no dia da última vindima. Foi então que todos se lembraram das palavras que o escravo repetia cada vez com mais frequência durante a sua imensa tristeza e angústia.
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(Estória baseada em já rara tradição entre poucas das pessoas mais idosas da freguesia).
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Embora, já esgotada a finalidade para que foi concebido, esse tal rego do ribeiro da Escaiba para Terçoso, que ficou conhecido como o Rego do Preto, ainda hoje existe a rasgar aquela encosta.
Alegadamente, em sua memória, existe ainda hoje na parede da Casa de Terçoso, um busto que dizem ser o de Virgolino.
Um caminho pedestre traçado pela Câmara Municipal e pela Junta de Freguesia de Rossas, no ano de 2003, percorre, desde o cimo do lugar do Torneiro até ao ribeiro da Escaiba, o referido rego._________________
Próxima - "Capela da Senhora da Lage, de Rossas ou Urrô?"

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro António Jorge Brandão de Pinho,

A estória do escravo Virgolino! Ainda não a tinha ouvido tão completa e contada com tanta graça. No vol. II de AS DOZE PORTAS DE GERAÇÕES DE AROUCA, terá vez a QUINTA DE TERÇOSO.

A transposição do escravo Virgolino para o sec. XVI será liberdade literária.

ANTÓNIO VIRGOLINO SARAIVA DE VASCONCELOS que foi "senhor de uma grande fortuna em Roças onde viveu de 1832 até 1836, regressou à África, onde morreu solteiro" (1); na sacristia do Mosteiro de Arouca existe um acervo de Procurações e, entre estas, uma de ANTÓNIO VIRGOLINO SARAIVA DE VASCONCELOS, passada em 1838.

Cumprimentos de muito apreço,

Fernando Brito

(1) - SIMÕES JÚNIOR «Jornal Defesa de Arouca», de 17-2-1995.

António Brandão de Pinho disse...

Caro Fernando Abrunhosa de Brito,

Antes de mais, manifestar-lhe a minha admiração pelo trabalho que há muitos anos se encontra a realizar e do qual já deu à estampa um 1.º Volume. De resto, muito interessante, completo e um auxiliar precioso para quem dedica algum tempo a estas coisas.

Soube que se deslocou a Rossas há alguns dias com o meu amigo Alberto Gonçalves. Espero que a visita tenha sido profícua.

Relativamente à estória do escravo Virgolino, e à sua localização no tempo, não se trata de liberdade literária, mas sim de uma gralha. Emprestei uma boa dose de liberdade literária, isso sim, às circunstâncias.

De resto, sobre ANTÓNIO VIRGOLINO SARAIVA DE VASCONCELOS, tenho já mais alguns dados:

«António Virgolino Saraiva Mendes de Vasconcelos e Cirne, senhor do Morgado de Terçoso, deve ter vindo para Portugal em princípios de 1832, vivendo alguns anos na Quinta de Terçoso. De resto, pouco tempo depois, e na qualidade de padrinho, está presente nos baptisados de Teotónio (n.4.IV.1834) e António (n.17.V.1835), filhos do Capitão António Teixeira Brandão de Vasconcelos e de Dona Margarida Amália Aranha Brandão de Vasconcelos, e, entretanto, também de Leonardo (n.20.IV.1835), filho de Bernardino José de Almeida, todos do lugar da Felgueira.
Em 11 de Março de 1837 é demandado num processo por alegada falta de pagamento do Real de Vinho, a correr no Juízo de Paz, com sede na Casa de Telarda.
Mais tarde, romou novamente a Africa. Em 1840, era administrador do prazo Boror, confirmado em 1ª vida a Maria Antónia por carta régia de 15 de Novembro de 1813, pagando 74.500 reis de foro e 20.000 reis de dízimos, o que nos dá uma pálida ideia da sua importância. Eram-lhe ainda atribuídos 100 colonos e 70 escravos. Terá morrido nessa ilha no correr do ano de 1840».

Os meus mais sinceros cumprimentos,

A.J.Brandão de Pinho

Anónimo disse...

Caro António Jorge Brandão de Pinho,
Não repare no meu silêncio: tenho andado atrapalhado com o fecho do volume. Mas cheio de coisas novas. Obrigado pelas informações, a somar a TERÇOSO. Depois falamos.
Um abraço,
Fernando Brito